Pequena Miss Sunshine (Little Miss Sunshine), de Jonathan Dayton (EUA)
Por Rodrigo Fonseca
Comungando no mesmo evangelho dos grandes loosers do cinema - o da sagrada superação - os personagens de Pequena Miss Sunshine (Little Miss Sunshine, 2006) fazem de uma kombi amarela, bem parecida com a Mistery Machine de Scooby-Doo e seus amigos, um pequeno bunker para sua mediocridade. A primeira vista, pelo menos. Pelas highways dos EUA, o casal Sheryll (Toni Collette) e Richard (Greg Kinnear), mais um cunhado gay (Steve Carrell), um filho em voto de silêncio (Paul Dano) e um avô cocainômano (Alan Arkin) enfrentam sua incapacidade natural de serem felizes para levar a menina Olive (Abigail Breslin), a caçula do clã, a um concurso de beleza. Obrigados a conviver dia-a-dia, até o fim da competição voltada para misses mirins, os passageiros daquela nave louca em tons berrantes vão, pouco a pouco, afinando suas diferenças. Expondo cicatrizes por baixo de sua couraça de silêncio, eles esfregam na cara do espectador que medíocre é não saber tolerar sua própria fraqueza e rir dela, gargalhando de lambuja das feridas do outro.
Compromissados mais com o afeto do que com o niilismo que marca o cinema independente americano contemporâneo (vide Neil Labute, Todd Solondz e Todd Haynes, só para citar três dos mais superestimados realizadores desse filão off-Hollywood), Jonathan Dayton e Valerie Faris assinam uma tocante investigação sobre a fraternidade em uma pátria calcada em códigos morais. Pais, filhos; avôs, netos - uma vez na kombi, todos viram irmãos na mesma fé: não desapontar uma menininha sonhadora. A conservação de um sonho inocente é o diesel que toca para frente os pneus da narrativa cômica construída pelos cineastas.
Graças à química entre o elenco, que teve peso equivalente na direção, Pequena Miss Sunshine se tornou um inesperado sucesso de bilheteria nos EUA. Mas sua principal vitória foi ter forçado a crítica a polir sua avaliação (já ameaçada pelo controle de clichês preconceituosos) acerca do cinema indie dos EUA.
Ao lado do subestimado A Lula e a Baleia, de Noah Baumbach, Pequena Miss Sunshine vem driblar a idéia de que os cineastas independentes da América se tornaram reféns de uma fórmula agridoce em que perder é verbo de ação perpétuo, contrariando (por contrariar) a hollywoodiana busca por finais felizes. O longa de Valerie e Dayton vai além disso. Na kombi amarela não há assentos para lugares-comuns. Se alguma dor em cena parecer familiar, é prudente procurar um amigo e chamá-lo de irmão. Enquanto os pneus agüentarem o tranco.