Homenagem ao ator, diretor e dramaturgo José Celso Martinez Corrêa
Por Daniel Schenker
Trajetória marcada por sonhos e mudanças
Ao longo de seu percurso, José Celso Martinez Corrêa, fundador do Teatro Oficina, mudou radicalmente sua visão de mundo. E essa transformação se refletiu em sua prática teatral.
O Oficina surgiu em 1958 dentro da Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, em São Paulo. A fase amadora foi marcada por montagens de textos autobiográficos do próprio Zé Celso e pela referência a Jean-Paul Sartre. Na transição para a profissionalização, o Oficina se aproximou de questões sociais a partir do elo com o Teatro de Arena. Já a excelência no acabamento das produções remeteu ao Teatro Brasileiro de Comédia.
Abalado pela instauração do regime militar no Brasil e pelo incêndio no Oficina em 1966, Zé Celso repensou as bases de seu trabalho. O resultado foi a montagem de “O rei da vela”. A escolha do texto de Oswald de Andrade representou o rompimento com uma linha de dramaturgia realista. A encenação, realçada pela cenografia de Hélio Eichbauer, foi essencial na consolidação do movimento tropicalista.
O acirramento da ditadura, com a edição do AI-5, fez com que o Oficina incluísse cada vez mais o público dentro da cena. Não cabia mais sensibilizar o espectador pela via da racionalidade, e sim desestabilizá-lo fisicamente em montagens atravessadas pela influência de Antonin Artaud.
Durante a ditadura, Zé Celso foi torturado e rumou para o exílio, em Portugal e Moçambique. Voltou ao país poucos anos depois. No decorrer da década de 1980, o Oficina ganhou uma reconfiguração espacial: o palco-passarela, projeto arquitetônico de Lina Bo Bardi e Edson Elito. O grupo readquiriu força total em 1991 com a montagem de “As boas”, adaptação de “As criadas”, de Jean Genet.
Na sequência, Zé Celso desconstruiu “Hamlet”, ousou com a encenação de “As bacantes”, baseada em Eurípides, e homenageou Cacilda Becker em “Cacilda!”. Um enorme desafio ainda estava por vir: a transposição de “Os sertões”, livro de Euclides da Cunha, que rendeu cinco espetáculos. A habilidade de Zé Celso em criar imagens de impacto a partir de um material cenicamente árido então se consagrou.
O diretor também lidou, durante décadas, com um grande conflito. O desejo de ampliar o espaço do Oficina, necessário para a concretização de um teatro-estádio, mas esbarrou nos domínios do Grupo Silvio Santos. Fiel aos próprios sonhos, Zé Celso, que morreu em 6 de julho de 2023, aos 86 anos, não esmoreceu jamais.
Versão editada do texto publicado no jornal O Globo em 07 de julho de 2023.