Foi Apenas um Sonho (Revolutionary Road), de Sam Mendes (EUA/Reino Unido)
Por Rodrigo Fonseca
Ressaca pesada é o saldo de Foi apenas um sonho, de Sam Mendes (Beleza Americana), em qualquer coração cinéfilo. Seu olhar catastrofista sobre o querer e suas sequelas foi garimpado do romance homônimo de Richard Yates (1926-1992), cuja tradução brasileira, assinada por José Roberto OShea, chegou às livrarias em 2009. Mendes fez um recorte buscando aquilo que a obra de Yates tem de mais perturbador ao explorar a intimidade do casal Frank e April Wheeler: sua reflexão sobre a insatisfação da classe média. Para isso escalou sua amada Kate Winslet e o parceiro dela em Titanic, o galã Leonardo DiCaprio, que alcança aqui uma intensidade dramática similar à de Rock Hudson em Tudo o que o Céu Permite (1955), de Douglas Sirk. Mendes esbanja concisão na transposição paras as telas de um drama cheio de veredas psicológicas, nos moldes deQuem tem Medo de Virginia Woolf? (1966), de Mike Nichols.
Rodado entre maio e agosto de 2007, com locações em Connecticut e Nova York, Foi apenas um sonhodisseca, ao longo de 119 minutos, as angústias sentimentais que boicotam o casamento entre Frank, um representante de uma firma de vendas, e April, uma atriz fracassada. O trailer, regado a Wild is the Wind, na voz de Nina Simone (que, lamentavelmente, não se escuta na trilha do filme), promete uma história sobre a mordaça matrimonial,o desejo e a harmonia de dois amantes. Mas Mendes deu um tratamento bem diferente às premissas que buscou na obra de Yates. Frank e April se amam. O amor deles finta o ócio da rotina. O que eles não driblam é o peso de suas frustrações pessoais. April sonha com uma mudança para Paris para reviver um diálogo que teve com Frank quando o conheceu. Na ocasião, ele explodia de gana por um futuro sem regras, a ser desfrutada em solo francês. Nesse bate-papo, que os aproxima e os apaixona, a personagem de Kate ainda acreditava que seria capaz de brilhar nos palcos. Daí o impulso de olhar para trás.
Já Frank carrega sob os ombros o pavor de que seu cotidiano seja uma fotocópia do que seu pai - um vendedor sem qualquer brilho, indigno de notas - viveu. A fotografia, assinada por Roger Deakins, dá um molho à parte ao longa de Mendes, fazendo alusão aos painel cartunesco do american way of life do artista gráfico Norman Rockwell (1894-1978), joia da iconografia burguesa dos EUA. Considere a trilha sonora do longa um regalo para os ouvidos: delicie-se com Crying in the Chapel, de The Orioles, e The Gipsy, de The Ink Spots. A beleza de ambas as canções, ouvidas nos tempos de sanidade absoluta dos Wheeler, acentua ainda mais o precipício onde os dois são soterrados ao longo da narrativa. Prepare sua alma.