Da Atlântida à Cinecittà, a versatilidade popular de Carlos Manga
Por Filippo Pitanga
Um dos maiores nomes do cinema nacional, Carlos Manga (1928-2015) dificilmente poderia ter tido carreira mais eclética e ampla. De cineasta a produtor, passando por montador, roteirista, publicitário e ator, acabou fazendo parte indissociável da gênese da cultura nacional de mídia como a conhecemos hoje. Desde a grande produtora de filmes Atlântida até seu trabalho para a TV em geral e a Rede Globo na atualidade, colaborou com outros grandes nomes da comédia, como os amigos Renato Aragão, Jô Soares, Chico Anysio e Dercy Gonçalves.
O início foi inusitado. Quando ainda era estudante de direito na década de 1940, aceitou um trabalho no almoxarifado da Atlântida Cinematográfica. Ocupou diversos cargos em seu aprendizado, até chegar a assistente de montagem e depois a diretor musical, duas funções muito úteis para que ele brilhasse em plena aurora do tipo de comédia que herdaria do teatro de revista seu tom e seu nome: a chanchada. Foi em “Carnaval Atlântida”, de José Carlos Burle, que Manga trabalhou com o elenco de peso que manteria na maioria de seus filmes sob o selo da produtora, nomes como Oscarito e Grande Othelo, Cyll Farney e José Lewgoy. Os dois primeiros teriam sua parceria reforçada por Carlos Manga, com quem filmariam sucessos como “A dupla do barulho” (1952) e “Matar ou correr” (1954).
O diretor se notabilizou por trazer um gingado mais popular à Atlântida, inclusive com pequenas inserções sobre a política ou o cotidiano, o que foi um dos fatores que ajudaram a ocupar uma lacuna e democratizar o binômio inter-racial, com a amizade entre Oscarito e Othelo, de modo que se incorporou uma malandragem-assinatura à dupla. Exemplo disto, a comédia “Matar ou correr” trazia ambos em homenagem faceira ao faroeste, em que o personagem humilde Xis Cocada de Othelo transcendia sua categoria social e garantia as vantagens para o mais típico caubói por excelência, na pele de Oscarito. Aliás, Manga aproximou os sucessos comerciais de público da Atlântida ao reconhecimento da crítica, como nos enquadramentos e cenários de faroeste da produção, que se referiam ao sucesso hollywoodiano “Matar ou morrer”, com Gary Cooper e Grace Kelly, inclusive à notável cena final.
Outros grandes sucessos da chanchada brasileira, estes com Oscarito e Cyll Farley, foram “Nem Sansão Nem Dalila” (1955) e, numa das primeiras atuações na telona de Jô Soares, “O homem do Sputnik” (1959). Neste trabalho, um dos maiores exemplos exitosos do encontro politizado da verve de Manga com a comédia popular, ele colocava Oscarito como um homem simples de baixa renda que acreditava ter encontrado o satélite russo Sputnik em seu telhado, a gerar um incidente internacional. Isto na Guerra Fria, que havia dividido o mundo entre capitalismo e comunismo e repercutido em perseguições macartistas no cinema americano, com muito menos liberdade crítica em seus roteiros.
A partir da década de 60, Manga foi convidado por Chico Anysio para trabalhar na telinha, primeiro na TV Rio, depois passando pela Excelsior, na qual ajudou a impulsionar a carreira de Dercy Gonçalves. Nos anos 70, o realizador foi morar na Itália, onde conheceu o complexo histórico de estúdios de cinema Cinecittà e aprendeu com o mestre italiano Federico Fellini. Quando regressou ao Brasil, trouxe consigo algumas das técnicas de lá, tanto na plasticidade quanto na produção com domínio de grandes públicos, o que usaria para o cinema e para a TV. Em primeiro lugar, fez um dos clássicos brasileiros da época, com a fusão entre as origens da chanchada e a pegada neorrealista italiana: “O marginal” (1974). Carlos Manga conseguiu unir sua herança na chanchada, com a personagem vedete de Darlene Glória, à crítica social típica dos anos 70, no personagem do malandro infrator de Tarcísio Meira em seu auge, que começa a ascender com pequenos golpes, passeando pelo luxo de São Paulo e pela marginalização da Boca do Lixo. Naquele mesmo ano, ainda dirigiu “Assim era a Atlântida”, com um novato Silvio de Abreu como assistente de direção, com quem trabalharia décadas depois na novela “Torre de Babel” (1998).
Foi na Rede Globo, mais uma vez a convite de Chico Anysio, que a partir da década de 80 se dedicou a levar sua visão cinematográfica para as telinhas, modificando a imagem dos programas da época. Foi um dos precursores no uso de vídeos pré-gravados em exibições que eram apenas ao vivo, e auxiliou no sucesso de inúmeras novelas, minisséries e programas, como “Chico City” e “Os Trapalhões”, grupo com o qual até realizou seu último filme, “Os Trapalhões e o Rei do Futebol”, tendo uma das raras oportunidades de dirigir Pelé nas telonas. Depois disso, passou por “Domingão do Faustão” (1989), “Sandy e Junior” (1999), “O Sítio do Pica-Pau Amarelo” (2001) e “Zorra Total” (2000).
Recebeu um Kikito especial pela carreira no Festival de Gramado em 1983, e depois, icônica e merecidamente, o Troféu Oscarito, no mesmo festival, em 1995.
Filmografia:
1953 - A Dupla do Barulho
1954 - Matar ou Correr
1955 - Nem Sansão nem Dalila
1955 - Colégio de Brotos
1956 - Guerra ao Samba
1956 - Vamos com Calma
1956 - O Golpe
1957 - Garotas e Samba
1957 - Papai Fanfarrão
1957 - De Vento em Popa
1958 - É a Maior
1959 - O Homem do Sputnik
1959 - Esse Milhão É Meu
1960 - Quanto Mais Samba Melhor
1960 - O Palhaço o que É?
1960 - O Cupim
1960 - Pintando o Sete
1960 - Cacareco Vem Aí
1960 - Os Dois Ladrões
1961 - Entre Mulheres e Espiões
1962 - As Sete Evas
1974 - O Marginal
1974 - Assim Era a Atlântida
1986 - Os Trapalhões e o Rei do Futebol