Boa Noite e Boa Sorte (Good Night, and Good Luck), de George Clooney (EUA)
Por Nelson Hoineff
O relato que George Clooney desenha sobre um dos mais influentes jornalistas da TV americana dos anos 50 é repleto de excepcionalidades, a começar pelo que ele parece indicar na construção da obra de um cineasta recente. Este é o segundo longa-metragem dirigido por Clooney. O primeiro, Confissões de uma Mente Perigosa, traçava o perfil de um outro astro da TV americana. Chuck Barris, que comandou programas trash-transgressores como The Gong Show, e teria sido também (segundo a sua autobiografia que alimentou o roteiro de Charlie Kaufman) um frio assassino a serviço da CIA.
Em seus dois filmes, Clooney fala sobre personagens controversos da televisão norte-americana, cujos auges se deram com 20 anos de diferença. Em ambos, o diretor mergulha nos mecanismos da televisão que se fazia a cada momento e estimula a confusão entre o referencial e a referência. Há razões para isso: seu pai. Nick Clooney, era ele mesmo um âncora da ABC em Cincinnatti na época em que George nasceu - e que coincide com o apogeu de Murrow.
O grande debate entre Ed Murrow e Joseph McCarthy, por exemplo, se dá entre a ação encenada de Strathairn e as imagens reais do senador. Nas sessões que antecederam ao lançamento, Clooney recebeu críticas ao que alguns espectadores pensavam ser uma representação over do político anti-comunista.
É um recurso admirável, assim como a decisão de favorecer a recriação da televisão da época, processando tudo em preto e branco. Murrow é recriado com detalhismo por David Strathairn, que não se parece fisicamente com o jornalista, mas dele extrai a "stone-face", face de pedra, sua mais forte característica externa. Clooney foca no pequeno grupo de profissionais que o acompanhavam na batalha para desmascarar o mcarthismo. São inesquecíveis as imagens da famosa audiência em que Joseph Welch pressiona o senador: "O senhor não tem decência?"
Boa Noite e Boa Sorte (Good Night, and Good Luck, 2005) não se esmera em procurar a decência perdida de McCarthy, mas se aprofunda nos bastidores da CBS, cujo legendário chefe William Paley (Frank Langella) bancava a ousadia de seu repórter principal. Essa é a relação que mais parece interessar a Clooney: o papel da imprensa, representado pelo conflito de Paley entre a integridade de seu jornalista e a segurança da emissora numa época de forte intimidação. O filme fala sobre televisão e integridade, termos que, por mais surpreendente que hoje possa parecer, não nasceram mutuamente excludentes.